Arte

O branco não nos traduz

A escolha da Pantone não representa o mundo inteiro.

João Gabriel

Arquiteto e urbanista;

Arquiteto baiano (de Jequié, baseado em Vitória da Conquista) referência em inovação, representatividade e estética brasileira, com mais de 130 projetos e destaque em CASACOR, Casa Vogue e Forbes Life Design.

Global

Créditos: Divulgação/Pantone

Todos os anos, o anúncio da cor do ano da Pantone movimenta conversas, inspira marcas e orienta direções estéticas ao redor do mundo. Reconheço a importância dessa pesquisa, que observa comportamentos globais e tenta sintetizar em uma cor o espírito do tempo. Mas é justamente por reconhecer sua força que afirmo: Cloud Dancer não representa a cultura brasileira. E não deveria ser tomada como horizonte para o nosso design.

Branco não é neutro, e a “elegância” tem história.

Branco, seja qual for o nome que recebe, carrega um peso simbólico que não pode ser ignorado. Não é neutro. Não é universal. Não é, definitivamente, um ponto de partida para um país construído na mistura, na intensidade, na cor como ferramenta de expressão, identidade e pertencimento. O Brasil é feito de matizes que vibram mesmo nas sombras e se transformam conforme a luz atravessa nossas paisagens, nossas artes e nosso cotidiano. Reduzir esse repertório a um branco importado é simplificar o que é complexo, vivo e profundamente nosso.

E aqui está uma questão incômoda: dizer que o branco é chic não é apenas preferência estética, é parte de uma construção histórica que associa cor à desordem, à pobreza, ao exagero, ao “não saber decorar”. Essa lógica precisa ser rompida. No Brasil, aprendemos cedo que ambientes brancos são “mais elegantes”, “mais limpos”, “mais modernos”, enquanto tudo o que escapa dessa paleta é visto como arriscado, inadequado, excessivo. O resultado é uma estética padronizada que, de tão repetida, perde qualquer relação com quem somos.

Créditos: Divulgação/Pantone

Tendência não é mandamento: cor é linguagem de país.

Quando a Pantone escolhe um branco como símbolo do futuro, ela também repete um ciclo de apagamento. Porque existe um mundo que sabe pensar cor pela lógica europeia, mas existe outro, tão ou mais importante, que vive cor como linguagem. E esse segundo mundo raramente é considerado como referência. A América Latina, a África, o Sudeste Asiático, o Caribe, todos esses territórios oferecem paletas inteiras de narrativas, afetos e possibilidades que não cabem dentro de um “cloud dancer”.

Não é sobre ignorar o que o mundo faz, é sobre parar de tratar tendência global como mandamento. Cor do ano é opinião, não direção obrigatória. O design brasileiro não precisa se moldar a algo que não fala sobre nós. O branco pode até funcionar como base, mas nunca como protagonista em um país que pulsa em amarelos quentes, verdes profundos, azuis que contam tempo, rosados que guardam memória e terrosos que afirmam território.

Se existe um desafio para o nosso design hoje, ele é esse: abandonar a ideia de que branco é sinônimo de sofisticação e assumir que cor é linguagem de país. E país nenhum prospera quando fala com a voz dos outros.

Sobre o Autor

João Gabriel

João Gabriel é arquiteto e urbanista, designer, educador, comunicador e colunista. Nascido em Jequié e sediado em Vitória da Conquista, atua do interior da Bahia para o Brasil e o mundo, consolidando um posicionamento de referência em inovação, representatividade e estética brasileira.

Reconhecido como um nome exponencial na arquitetura brasileira, integra o elenco da CASACOR, foi citado pela Casa Vogue entre os 50 arquitetos mais influentes do Brasil e foi destaque na revista duas vezes pela revista Forbes Life Design. À frente do JG+ Arquitetos, soma mais de 130 projetos realizados dentro e fora do país, unindo técnica, narrativa e propósito.

Em 2024, fundou a Sala Preta Mentoria, um espaço de formação e fortalecimento de arquitetos negros, que transforma trajetórias individuais em potência coletiva e consolida a diversidade como eixo central da arquitetura contemporânea.

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